sábado, 11 de junho de 2011

Resenha: SUICIDAS - Raphael Montes

(Originalmente postada no extinto blog Gotas Humanas)

Já havia escrito uma resenha de "Suicidas", livro de meu amigo e fiel comparsa Raphael Montes, com quem participei das antologias Assassinos S/A e Beco do Crime, concluído há cerca de dois anos e ainda não lançado por nenhuma editora. A primeira você pode ler aquie constatar que minha forma de resenhar decididamente não é mais a mesma de um ano atrás. Pessoalmente, acredito que houve uma melhora em meu estilo de falar sobre o que li. Por esse motivo - e principalmente por ter gostado do livro - escrevo agora uma nova resenha para o Gotas.

Na trama, nove jovens decidem terminar com suas vidas. Trancam-se no porão de Cyrille's House, gigantesca casa de campo e, no dia seguinte, seus corpos são encontrados em circunstâncias completamente assustadoras. Não se sabe ao certo o que aconteceu lá dentro, nem os motivos que os levaram a cometer tais atos. Por isso, um ano depois, uma psiquiatra forense, em parceria com a Polícia Civil, reúne as mães dos jovens para uma reunião. O objetivo: tentar descobrir, de uma vez por todas, o porquê e o quê aconteceu em Cyrilles's House. Para isso, vale-se de um trunfo: um diário escrito em tempo real por Alessandro Parentoni, um dos mortos, narrando os eventos daquela noite. Durante a reunião, segredos vão sendo desnudados e a verdade assombrosa vai, aos poucos, tomando forma.

A narrativa de "Suicidas" é complexa e se desenvolve em três frentes. A primeira, não linear, é constituída de relatos de Alessandro, aspirante a escritor, uma espécie de diário em que eram registrados momentos importantes do dia-a-dia do rapaz; a segunda é o encontro das mães com a psiquiatra e, por último, o "livro" que narra os eventos ocorridos na noite das mortes, dividido em capítulos e tudo mais. Intrincado, mas não complicado. A estrutura do romance já é de cara uma ótima sacada, já que, pela grande quantidade de informações que cada uma das frentes entrega, o suspense vai aumentando a cada novo capítulo e, em se tratando de um romance policial, esse elemento é a força motriz para que a narrativa não perca o ritmo. Nesse sentido, o autor certamente é bem sucedido: a trama consegue arrastar o leitor para dentro dela, com toda a sua violência e crueldade, ingredientes presentes em altas doses.

O grupo de protagonistas é imprevisível e, estando às portas da morte, desprendem-se de toda e qualquer convenção social, entregando-se a uma decadência que em certos momentos chega a causar repulsa. Mas não é simples assim. Raphael Montes não tenta nos chocar gratuitamente através das ações hediondas de outros. Alessandro, muito mais do que um personagem-narrador, é também um escritor, de modo que, através dele, o autor também pode falar como um abertamente. Nos momentos em que se vale desse recurso, momentos em que Alessandro parece falar a um público invisível (como muitas vezes um escritor faz) e fictício - assim como ele próprio - pode-se pensar perfeitamente que o está sendo dito ali vale para nós, leitores reais. E, acreditem: ser confrontado pelo que Alessandro escreve não é algo que faça exatamente bem, afinal, somos todos pessoas de bem e jamais faríamos o que os personagens de "Suicidas" fazem. Certo? Somos bonzinhos, não somos? Bem, é brincar com essa noção que o autor procura, e atinge seu objetivo com maestria e requintes de crueldade.

Gostar de Alessandro pode ser um desafio, embora a maior parte da narrativa ocorra do ponto de vista dele. Com seus dezenove, vinte anos e uma altivez incrivelmente irritante, chegando às raias do preconceito, o rapaz surge como um (anti) herói cínico, desiludido e complexo - um jovem com espírito de velho, como ele mesmo se descreve. É claro que Montes não consegue desenvolver todos os personagens de forma tridimensional, mas nenhum surge como total estereótipo, embora alguns, a meu ver, merecessem um tratamento um pouco mais demorado para soarem mais convincentes. De todo modo, é melhor não ler "Suicidas" procurando apenas por mocinhos ou vilões. Esses são conceitos que o autor busca minar. Outro elemento que a meu ver ainda precisa ser um pouco trabalhado são os diálogos. São convincentes em sua grande maioria, mas aqui e ali surgem alguns um tanto rebuscados ou exageradamente agressivos. Os capítulos em que as mães e a psiquiatra aparecem também são um tanto repetitivos. Nada disso, porém, atrapalha o resultado final.

Conseguindo combinar de maneira eficiente os elementos do suspense psicológico com algumas das mais sabidas convenções do romance-enigma, a estréia de Raphael Montes ganha ainda mais pontos por segurar o mistério até a última linha - sim, você leu certo. O desfecho, apesar de deixar algumas lacunas em branco - que não precisavam necessariamente ser preenchidas - consegue honrar o desenvolvimento e tecer com ele diversas rimas temáticas. "Suicidas" é um romance policial sólido, com pontos fracos passando quase despercebidos em relação aos fortes, e creio sinceramente que mereça ser publicado - o que seria um contribuição e tanto para a literatura policial e de mistério brasileira.

Boas leituras.

Um comentário:

  1. Adorei Suicidas. O devorei como há muito não fazia. Raphael é um dos autores de policial mais promissor do momento. Legal saber que vocês se conhecem.

    http://porquelivronuncaenguica.blogspot.com.br/2014/10/montes-dias-perfeitos-e-suicidas-rafael.html

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