sábado, 11 de junho de 2011

Resenha: A ESTRADA - Cormac McCarthy

(Originalmente postada no extinto blog Gotas Humanas)

De 1965 para cá, o americano Cormac McCarthy publicou apenas dez livros. "A Estrada" (Alfaguara, 234 páginas) é o mais recente, lançado em 2006, e assim como "Onde os Velhos não têm Vez", filmado pelos irmãos Coen e vencedor de quatro Oscars em 2008, também ganhou uma versão cinematográfica, estrelada por Viggo Mortensen, no ano passado. Foi através do filme que eu soube do livro e, graças ao querido e amado Skoob, consegui-o através de uma troca. E ontem, após pouco mais de um mês de leitura, finalmente cheguei ao fim.

Duzentas e poucas páginas. Não é nenhum calhamaço, realmente. Mesmo assim, demorei 30 dias percorrê-las. Não costumo correr na leitura de qualquer obra, mas minha experiência com "A Estrada" decididamente fugiu ao normal (leve-se em consideração ainda que grande parte da leitura se deu no período de férias). McCarthy não escreve mal, longe disso, aliás. A história que conta não é pouco convincente. Os personagens não são unidimensionais. Por que demorei tanto? Resposta sincera: estava com medo do que ia encontrar no final.

Num mundo pós-apocalíptico, em que sociedade e civilização se transformaram em ruína e cinzas, um pai e um filho caminham ao longo de uma estrada rumo ao sul. Não sabem ao certo o que irão encontrar lá. Carregam alguns poucos mantimentos num carrinho de supermercado e um velho revólver, envolvidos em roupas sujas e trapos para se protegerem do frio. No caminho, deparam-se com inimigos como a fome, o cansaço, a chuva e violentos assassinos que rondam a estrada.

Um fato interessante é que o autor não se preocupa sequer em nomear o homem e seu filho. Chama-os apenas assim, o homem de homem, e seu filho de a criança, ou o menino. Ele seguem em frente e é só o que fazem. Um mundo de desolação os cercando. "A Estrada" é um livro extremamente monótono, e isso faz todo o sentido. O mundo como o conhecemos não existe mais. A única preocupação é a sobrevivência, e é de movimentos em busca dela que a ação do livro se constitui. O foco repousa também na relação entre pai e filho, "cada um o mundo inteiro do outro" (página 9). E se essa total dependência fica clara logo nas primeiras páginas, na mesma medida a rara competência de McCarthy no uso das palavras. A narração é soberba, sem tirar nem pôr, e as descrições do mundo destruído são fortes e quase fotográficas.

O passado de ambos é muito pouco explorado, apenas algumas poucas lembranças, quase todas dolorosas. Também são poucas as respostas em relação à desolação com a qual se deparam ao longo da estrada. "Como a Humanidade chegou a esse ponto?" é uma pergunta que nos acompanhará durante todo o livro. No entanto, esse é o cenário em que se encontram, e a maneira como ele inevitavelmente influencia as ações do homem e do menino é algo que o autor parece muito mais interessado em explorar do que o que aconteceu de fato àquele mundo. É extremamente curioso observar, por exemplo, que o pai afirma sempre ao filho que eles são "caras do bem", enquanto nem tudo o que fazem em nome da sobrevivência e do seguir em frente possa ser cem por cento caracterizado como "bom". O vínculo que se estabelece com os "protagonistas" permanece até o fim não simplesmente por serem aqueles a quem acompanhamos, mas por procurarem conservar, mesmo que mais em palavras do que em ações, valores ditos corretos e bons, apesar de estarem em um mundo que parece há muito ter dado as costas a qualquer espécie de valor.

E, à medida que a jornada prossegue, é impossível não se chocar com a estrada, temer pelo que encontrarão ao final dela, o que terão de fazer para alcançar esse destino, no que terão se transformado quando e se o alcançarem. Residiu aí o medo de que falei, no não saber e sequer me sentir confortável para prever. Poucas obras conseguiram embrulhar meu estômago como "A Estrada" fez, unindo uma narração impecável que soa como música a uma história tão destruidora.

Mas ao final senti-me bem. Ou algo muito próximo disso. Não que o livro procure, após suas duzentas e poucas páginas de ruína, dar alguma espécie de esperança ao leitor. Não acredito nisso. Essa sensação final será inteiramente subjetiva, filtrada por cada um dos receptores da obra. Depois dos trinta dias de leitura, bem, dou-me ao luxo de pensar que as coisas estão um pouco melhores. Realmente desejo que estejam.

Boas leituras.

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