sábado, 11 de junho de 2011

Resenha: O HOMEM DOS CÍRCULOS AZUIS - Fred Vargas

(Originalmente postada no extinto blog Gotas Humanas)

Olhando para o passado, podemos encontrar na França um grande expoente da literatura policial: Georges Simenon. Apesar de ter nascido na Bélgica e morado por anos nos Estados Unidos, todos os seus romances eram ambientados em solo francês (salvo raríssimas exceções), a maioria protagonizados pelo saudoso Comissário Jules Maigret, que sobre muitos aspectos rompia de forma clara com a tradição inglesa de detetives lógico-dedutivos e com a americana de detetives durões e de moral dúbia. Maigret não tecia teorias, não ficava matutando todo o tempo; a verdade aparecia para ele quase que por osmose. De todo modo, as tramas dos livros de Simenon não requeriam, em sua maioria, um Sherlock Holmes ou Hercule Poirot para serem desvendadas. A grande característica de sua obra era a atenção dada ao aspecto psicológico dos personagens, no que o autor se saia incrivelmente bem.

O que nos leva a Fred Vargas, francesa nascida em 1957, arqueóloga, e seu "O Homem dos Círculos Azuis" (Companhia das Letras, 207 páginas).

Na trama, círculos traçados com giz azul têm aparecido há alguns meses nas ruas de Paris. Dentro de cada um deles, objetos sem importância, como uma bolsa, uma linha de costura, um pé de sapato, um relógio de pulso quebrado, sempre com os dizeres Bento, seu azarento, na rua com esse vento? escritos em volta. O delegado Jean-Baptiste Adamsberg, mesmo sem motivos, encontra-se apreensivo. Até que seu medo acha evidências reais: um novo círculo é encontrado, com uma mulher degolada dentro. Começa então a caçada a um maníaco homicida.

A história contada por Vargas é absurda e espalhafatosa, do início ao fim. Não que isso seja um problema. O fato é que a francesa é uma escritora magnífica, inteiramente preocupada em desenvolver seus personagens e fazê-los interagir entre si. A trama, nesse sentido, representa apenas pretexto que os coloca frente a frente e os faz dissecarem os sentimentos para o leitor. Um pouco como Simenon fazia, guardadas as devidas diferenças entre ambos. A narração agradável, leve e divertida, juntamente com o número pequeno de páginas, são uma tentação para aqueles que leem depressa, mas acredito que "O Homem dos Círculos Azuis" mereça um olhar mais atento, pois a riqueza dos personagens que cruzam suas páginas é imensa e rara.

Adamsberg seria, numa primeira análise, o protagonista da história (ele também aparece em diversos outros livros da autora). Novamente as similaridades com Simenon afloram, mas nunca tornando a criação de Vargas um mero eco da do mestre belga. A grande semelhança entre ambos reside no pouco raciocínio lógico e na não formulação de teorias. Mas se por seu lado Maigret preferia trabalhar assim pois confiava nesse método, Adamsberg mostra-se completamente incapaz de pensar de maneira minimamente metódica ou ordenada - o que não o impede de encontrar a verdade na quase totalidade dos crimes que investiga. É paradoxal, realmente, e isso somado a sua constante saudade de uma mulher que não vê há nove anos e a tristeza por não se surpreender com quase nada torna o personagem incomum e interessante.

Mas a narrativa não fica presa a ele, expandindo-se para o ponto de vista de outros personagens igualmente complicados: Mathilde, uma oceanógrafa famosa que segue pessoas aleatoriamente nas ruas, Charles Reyer, um cego enorme que costuma perguntar a desconhecidos se pode ajudá-los a atravessar a rua, Clemense, uma velha que vive a responder anúncios de namoro, Danglard, inspetor de polícia que cuida sozinho de cinco filhos e bebe mais do que deveria - todos têm seus momentos ao longo do livro.

Talvez a autora exagere um pouco em alguns diálogos, pouco críveis nas situações retratadas, mas o deslize em nada compromete a obra como um todo. E a trama, apesar de absurda, guarda boas surpresas e reviravoltas que ligam os pontos de maneira satisfatória, conduzindo a um final bem bolado, apesar de muitíssimo pouco verossímil. De todo modo, o desenvolvimento dos personagens é realmente o ponto mais marcante de "O Homem dos Círculos Azuis", tornando-o uma ótima pedida para fãs do policial que querem sair do eixo Estados Unidos/Suécia, países que hoje dominam a cena.

Boas leituras.

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