sábado, 11 de junho de 2011

Resenha: OS DIAS DA PESTE - Fábio Fernandes

(Originalmente postada no extinto blog Gotas Humanas)

Ficção científica decididamente não é o meu forte. Em termos numéricos, "Os Dias da Peste" (Tarja Editorial, 183 páginas) foi o segundo romance do estilo a passar pelas minhas mãos calejadas de romances policiais, e antes dele houve apenas o Neuromancer. Uma coisa meio que levou à outra, já que os dois livros, além de certas semelhanças temáticas, tem uma outra coisa em comum: Fábio Fernandes. O professor da PUC-SP e pesquisador de cibercultura foi o tradutor do clássico de William Gibson e autor da obra aqui resenhada. Obra essa que trata principalmente da relação homem-máquina, um tema já explorado exaustivamente na ficção científica (não é preciso ser especialista para saber disso), mas aparentemente ainda não esgotado.

Dividido em três partes e abrangendo um período que vai de 2010 a 2016, o livro é todo composto por relatos de Artur, professor universitário e técnico em informática, compilados na forma de posts num blog, notas feitas a mão e um podcast. O ponto de partida é uma crise que vem alarmando todo o planeta: os computadores estão enlouquecendo. Executam comandos sem receberem ordens, xingam seus donos, recusam-se a desligar. De alguma forma, as máquinas parecem estar tentando se comunicar com o homem, o que só pode significar uma coisa: elas estão adquirindo consciência.

Como a humanidade se comportaria frente a um acontecimento destas proporções? Que espécie de existência teriam os computadores? Ainda nos serviriam ou a relação entre as duas "raças" ficaria avariada agora que as máquinas podem pensar? Fábio Fernandes explora esses temas com o nível de seriedade necessário para tornar a história crível, mas sem levar-se a sério demais, alcançando um saudável equilíbrio que transforma "Os Dias da Peste" em boa literatura de entretenimento. A narração é ágil e despojada, o que combina com a ideia do blog e do podcast como plataformas iniciais de publicação dos diários de Artur - e a própria compilação deles no formato de livro tem um motivo detalhado logo nas primeiras páginas, numa das sacadas mais criativas do autor em minha opinião.

A divisão do livro funciona bem no sentido de criar expectativa em relação ao futuro. Cada uma das três partes compreende um determinado período de tempo durante o qual o mundo está se reorganizando perante a nova condição dos computadores. Os novos rumos da sociedade se tornam cada vez mais imprevisíveis à medida que a relação entre homem e máquina vai se estreitando, e diante disso é impossível não ficar se perguntando a cada página o que virá a frente. O futuro criado por Fábio é fascinante por seus incríveis desdobramentos e, naturalmente, alarmante pelo mesmo motivo.

E lá está Artur, com seu blog, seu podcast, seus problemas com a balança, suas crises. Grande fã de ficção científica, escritor frustrado, ele tenta lidar com o novo. Detalhar sua participação nos eventos narrados no livro seria estragar algumas das surpresas da trama, portanto basta dizer que seu desenvolvimento enquanto personagem se confunde com o da própria sociedade em que está inserido. Particularmente na terceira e última parte (o podcast), mais sombria em comparação com as outras e, eu me arriscaria a dizer, algo cyberpunk, isso se mostra de maneira mais clara. E é também quando a história chega a seu clímax, bastante previsível (como já falei, não é um tema original), mas satisfatório, honrando todo o desenvolvimento.

"Os Dias da Peste" apresenta alguns poucos elementos que não me agradaram - em especial, as constantes pausas para explicações ou piadinhas entre parênteses - mas nada que comprometa o resultado final. Por aqui, aguardo com ansiedade pela continuação, "Os Anos do Silício".

Boas leituras.

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