sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Resenha: IMAGINÁRIOS VOLUME 4


Este quarto volume da série “Imaginários”, da editora Draco, foi um dos muitos lançamentos que chegaram ao público durante a quinta edição do Fantasticon, Simpósio de Literatura Fantástica ocorrido entre os dias 12 e 14 de agosto em São Paulo. Novamente no papel de organizador esteve Erick Santos, editor da Draco, repetindo o duplo papel exercito no terceiro volume da série, já resenhado aqui (triplo, uma vez que também há um conto seu no livro). Reunindo autores em sua maioria conhecidos dentro do fandom do gênero fantástico brasileiro, a coletânea repete a qualidade do volume anterior, elencando textos que passeiam entre as muitas temáticas possíveis do terror, fantasia e ficção científica.

Vamos a um breve comentário sobre os contos da “Imaginários Volume 4”.

O cão – Leonel Caldela (@leonelcaldela)

O conto de abertura nos apresenta um cenário de fantasia onde humanos convivem em constante tensão com fadas – ou seres feéricos, como também são chamados. O filho de um duque humano narra suas aventuras ao lado do melhor amigo, um cachorro, da infância à maioridade, numa vida pontuada por encontros com os misteriosos lordes feéricos. Texto muitíssimo bem escrito, rico em descrições e ótimo no que diz respeito ao desenvolvimento do protagonista-narrador. O autor opta por não fornecer explicações para certos dados e acontecimentos – nunca fica claro o porquê de as fadas não serem capazes de criar, por exemplo, o que as prende num ciclo de cópia do que é humano –, o que apenas salienta o caráter fantástico e misterioso da trama. O desfecho honra todo o bom desenvolvimento – a cena final é particularmente impactante –, embora certa decisão tomada pelo protagonista aconteça de maneira um tanto gratuita, sem que seja possível entender sua motivação. Uma falha pequena num conto de grande qualidade.

Ela – Fábio M. Barreto

Um misterioso ser – a Ela do título – chega a um planeta inabitado com a missão de analisa-lo e povoa-lo de acordo com as condições apresentadas por seu ambiente. Longe dali, os últimos sobreviventes de um planeta em ruínas tentam desesperadamente escapar de seus perseguidores, uma raça alienígena impiedosa que não descansará enquanto não exterminá-los por completo. As duas narrativas correm em paralelo, com maior ênfase na primeira, que impressiona pela atenção dispensada pelo autor à complexidade do planeta. Também é importante para a trama a descoberta, por parte d’Ela, de sentimentos que até então só conhecia como conceitos, à medida que faz previsões sobre possíveis futuros naquele ambiente onde florescerá vida. Trata-se de um texto relativamente curto, embora a prosa encorpada do autor chame a uma leitura mais lenta e atenciosa, sem transformar o conto numa experiência arrastada ou enfadonha.

O Anel e a Pérola Solitária – Georgette Silen (@georgettesilen)

Moira, desde sua infância, se vê cercada por estranhas vozes que só ela consegue ouvir. Com quinze anos recém completos e uma estranha vontade de liberdade e contato com a natureza, a adolescente presencia um estranho fenômeno quando é atacada pelo valentão do colégio, e a partir daí começa uma teia inimaginável de descobertas. O conto tem um tom claramente infanto-juvenil, apresentando alguns dos principais elementos que comumente são associados à histórias direcionadas a essa faixa etária: a descoberta da identidade, a sensação de não pertencimento, repressão e bullyng sofridos sem motivo. A autora é bem sucedida ao retratar as mudanças – obviamente mágicas – sofridas por Moira ao longo do conto, descrevendo-as numa prosa ágil e elegante; peca um pouco, a meu ver, no uso excessivo dos pontos de exclamação, que parecem a todo momento querer reforçar um clima fantástico que já está lá. Não compromete o conto como um todo, no entanto.

Primeiro de Abril: Corpus Christi – Luiz Bras

De longe o conto mais doido da antologia, e digo isso no bom sentido. A trama – o que mais se pareceria com uma – segue um grupo de ciborgues em meio ao colapso de uma cidade que se tornou consciente e agora age por conta própria. O grande barato do texto é marcadamente a prosa, elemento que o destaca em relação aos outros textos da coletânea. É bastante difícil entender o que realmente está acontecendo nas páginas, de modo que, em certo momento, o leitor tende a abstrair esse detalhe e embarcar na experimentação do autor. Como ponto fraco, eu apontaria uma certa incompletude do texto, que desperta mais perguntas que respostas ao final da leitura.

Névoa e Sangue – Nazarethe Fonseca (@NazarethFonseca)

Os vampiros não podiam deixar de dar as caras. Na história ambientada na era vitoriana, um rico chupador de sangue desenvolve uma extrema obsessão por uma criada, Mary, que obviamente desconhece as necessidades sanguinolentas de seu patrão. O conto apresenta vampiros à moda antiga, do tipo que não tem escrúpulos quanto a matar para se alimentarem – nesse sentido, é uma sacada bastante irônica da autora batizar o vampirão protagonista de Edward. A obsessão, veículo condutor da narrativa, não me pareceu bem construída; nunca conseguimos entender realmente o que Mary tem que excita tanto seu empregador-vampiro. O texto não tem grandes atrativos, mas também não apresenta falhas monumentais. Divertido, pouco mais que isso.

O Incrível Congresso de Astrobiologia – Cris Lasaitis (@crislasaitis)

Nesse breve conto – o menor da coletânea –, a autora do bacaníssimo “Fábulas do Tempo e da Eternidade” (já leu minha resenha?) apresenta a bióloga Lima C., convidada para o MCXI congresso de Astrobiologia por seres que nunca sabemos realmente quem são. Trata-se de um texto simpático e imaginativo, quase todo conduzido (e bem conduzido) em segunda pessoa, que versa sobre a pequenez humana em relação ao universo. Para ser lido de uma vez só.

Brazil Reloaded – Antonio M. C. Costa (@ALuizCosta)

Ambientado nos Estados Unidos décadas no futuro, o conto segue o ex-presidiário Jamal, que se envolve numa situação fora de controle após aceitar fazer um arriscado serviço para uma célula política radical. O texto de ritmo ágil é o mais recheado de ação entre todos os da coletânea, embora esta nem sempre soe convincente. Por outro lado, o cenário criado pelo autor é curiosíssimo: nele, os EUA são tudo menos a potência de hoje, e países como Brasil e China ocupam o lugar antes pertencente aos yankees. Há momentos divertidos, sobretudo quando entra em cena o capitão Nascimento – qual semelhança com aquele capitão Nascimento é mera coincidência, ou não –, que trás boas doses de brasilidade à narrativa.

Bons Inimigos – Claudio Brites (@claudiobrites)

Um dos textos mais complexos do livro. A narrativa não linear se concentra em três desconhecidos que um dia acordam num ambiente fechado, juntamente com um cadáver que inicialmente não se sabe quem é. Através de flashbacks vamos entendo, bem lentamente, o que os levou àquela situação. Texto muitíssimo bem conduzido, prosa sólida e estilosa, trama sombria e carregada de suspense. O único problema, a meu ver, é a narrativa paralela, que acompanha uma tribo de índios durante a complexa preparação para um ritual de execução. O final causa dúvida e estranheza, pois não se enxerga ligação direta entre as duas, além de certa semelhança temática, o que pode tornar a experiência um pouco decepcionante para alguns. Abro o parêntese, no entanto, para um possível não entendimento da minha parte.

A Chave – Renato A. Azevedo

Uma ciber-mercenária em missão a mando de um ciber-mafioso se lança contra diversos ciber-inimigos numa ambiente virtual que pode ser fatal. Conto de pegada ágil e bastante divertido. A trama vai ganhando novos contornos e proporções, e o que se pensava simples vai se mostrando mais e mais complexo. O autor peca, no entanto, na condução dos diálogos, excessivamente expositivos em sua maioria, e também em certa cena de ação que envolve uma corrida de motos, que, apesar de muito bem escrita (sugando elementos dos videogames), não acrescenta muito à trama. Os personagens são estereotipados e os caras maus são maus e pronto. O texto fica melhor do meio para frente, quando as primeiras reviravoltas surgem. A reviravolta final, no entanto, me pareceu um tanto forçada.

O Turista – Erick Santos (@ericksama)

O editor da Draco faz sua estreia como autor num conto que, junto com o de Brites, forma uma dupla e tanto. A narrativa em forma de quebra-cabeças acompanha um homem em suas andanças na Europa, enquanto lida com algumas mulheres e as próprias lembranças. É o tipo de texto que convida, ou melhor, clama por uma segunda leitura para que se consiga encaixar as peças em seus devidos lugares, destacando-se também pela escrita seca e carregada de melancolia. O autor realmente consegue delinear o isolamento do personagem e mergulha o leitor na neura de descobrir, afinal de contas, o que está acontecendo com ele. O que não é tarefa simples, dada a não linearidade e a fragmentação do texto. Esperemos que o editor se aventure mais vezes como autor.


É isso.

Boas leituras.

Um comentário:

  1. Valeu pela resenha, Josué! Se não me engano, você abriu o festival de resenhas a Imaginários 4!

    Grande abraço de Los Angeles,
    Fábio M. Barreto

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