sábado, 9 de julho de 2011

A Batalha das Pontes.

Ontem comentei lá no Twitter sobre um episódio curioso que rolou esse ano, num Skoob Encontro, no Rio. Nunca havia ido a nenhum desses encontros, mas um amigo me falou que o tema da vez seria romance policial, e eu nunca perco uma oportunidade de bater papo sobre isso. O encontro em si foi bacaníssimo: a galera mais por dentro do gênero dando dicas de autores que achavam o máximo para os que liam menos, todos elencando seus favoritos e detestados, e até um debate rápido sobre o porquê do gênero nunca ter dado muito certo no Brasil rolou mais pro final; uma tarde bem agradável, enfim. A situação engraçada rolou antes do encontro em si começar, quando todos estavam em grupinhos, socializando.

Um grupo de pessoas conversava sobre livros de fantasia. Vampiros, anjos, Percy Jackson, por aí a fora. Não estou muito por dentro desse universo, de modo que, pra entrar na conversa, falei sobre o sabia. Perguntei ao grupo se algum deles já havia lido “A Batalha do Apocalipse”, do Eduardo Spohr. Negativas. Não tinham lido. Mas uma das integrantes do grupo falou um pouco mais sobre isso.

Em suma, ela disse que tinha ficado super a fim de ler o livro naquele momento de boom pouco depois do lançamento; parecia ser interessante. Mas desistira. O motivo? Bem, ela descobrira que há uma cena no livro em que dois anjos batalham... na Ponte Rio-Niterói. Isso, ela disse, minou sua vontade de ler o livro. Afinal, era a Ponte Rio-Niterói, cara. Aquela ali. Imagina se a Ponte combina com dois anjos sinistros batalhando?

Ponte Rio-Niterói, Brasil. Se você fosse um anjo guerreiro com uma missão, teria dito a seu um oponente, ao encontrá-lo por lá: "Pô, cara, bem caído aqui. Vamos dar um pulo em outro lugar."


Minha reação foi primeiro de riso, mas depois se transformou num pouquinho de irritação. Eu tentei entender a lógica, juro. Mas, falando sério, não tem lógica nenhuma nesse raciocínio. Pode procurar que você não vai achar.

Em linhas gerais, dá pra entender o porquê de a Ponte Rio-Niterói tê-la repelido como leitora. Todo aquele papo sobre o mercado investir muito mais no que vem de fora do que no que é produzido aqui dentro, e isso levar a uma espécie de preconceito com a literatura de gênero brasileira, me parece ser uma realidade ainda para muitos leitores brasileiros. Por isso falei a ela, alto o suficiente para que todo o grupo ouvisse: “Se a briga entre os anjos fosse na Ponte Golden Gate, lá em São Francisco, duvido que você ter um problema com isso”. Não lembro direito de sua resposta, do que ela disse exatamente; o que me lembro foi que ela não disse nada que enfraquecesse minha tese. Da qual eu continuo muito convencido, diga-se de passagem.

Não sou um purista chato que acha que autor brasileiro DEVE escrever histórias passadas no Brasil; também não é um pensamento faça lá muito sentido. Acho que uma boa história vem antes da ambientação. Brasil, Estados Unidos, França, Bósnia e Herzegovina: se o autor conhece o lugar que ambienta sua trama, se sabe do que está falando, por mim tá tranquilo. É claro que se pode argumentar que, sendo brasileiro, faz muito mais sentido escrever sobre o Brasil e que, em se tratando de literatura de gênero, como é a fantástica, que vive um bom momento em termos de produção e aceitação, seria importante produzir mais e mais histórias que se passem em nossa terra, justamente pra tentar naturalizar a coisa e afastar um pouco aquela ideia de que autor bom só mesmo os de lá de fora. E eu concordaria com isso. Mas, novamente: boas histórias vêm antes da ambientação. Se você consegue escrever sobre um outro país que não o seu com desenvoltura, vá em frente; se, ao contrário, quiser usar como cenário a rua da sua casa, que fica numa cidadezinha no interior do estado, também está ótimo. Desde que se criem boas histórias.

Golden Gate Bridge, São Francisco, EUA. Aqueles rastros de luz ali embaixo não deixam dúvida: é aqui que os anjos vêm pra saírem no pau.


Agora, o problema começa quando esse elemento passa a ser tomado isoladamente para desmerecer uma obra. Sim, uma ambientação desastrada pode comprometer a melhor trama do mundo, mas isso independe de onde a trama está se passando em primeiro lugar. Se o cara não souber do que está falando – ou não tiver uma boa habilidade de descrição –, um abraço. E não importa se ele estiver escrevendo sobre Paris, Rio de Janeiro, um mundo fantástico criado na cabeça dele ou fanfic de “O Senhor dos Anéis”.

“A Batalha do Apocalipse” é divertido e bem escrito, proporcionando bons momentos de entretenimento. Os problemas que o livro em minha opinião apresenta passam longe de ter a ver com os lugares que o autor decidiu utilizar como cenários de sua história. Dito de outra forma, a Ponte Rio-Niterói é um bom lugar para anjos se enfrentarem na mesma medida que a Golden Gate seria. Devíamos prestar atenção muito mais em como o autor descreve a luta, qual a função dela dentro da narrativa, como ela ajuda no desenvolvimento dos personagens, coisas assim.

Me agrada muitíssimo ler um livro de gênero (seja policial, fantasia, ficção científica, terror), ou mesmo um conto, escrito por um brasileiro e passado no Brasil, pois é o país onde vivo e em cuja cultura estou imerso. Um reply que recebi de um amigo ontem, após o comentário no Twitter, resume esse raciocínio. Disse ele (que não leu “A Batalha do Apocalipse”): “Batalha na ponte Rio-Niterói parece irado demais. É muito melhor ler algo quando a gente conhece os arredores”. Ao que eu respondi: “Esse é justamente o ponto”.

Nem todos os escritores brasileiros farão dessa forma, no entanto. Sem problemas: o lugar onde você escolher ambientar a sua história não influenciará por si só na qualidade dela. A não ser que você não capriche. Então, já sabe.

5 comentários:

  1. Cara, muito bem colocado. Era a questão também de inverter a pergunta: se fosse um autor estrangeiro que fizesse essa batalha se passar no Brasil, será que ela leria? Será que acharia 'irado' porque oh, puxa, um autor estrangeiro escreveu uma cena na ponte Rio-Niterói?

    Enfim. Quem tem preconceito bobo se apega a qualquer argumento para justificá-lo.

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  2. É sindrome do Capitão Barbosa levada a extremos. Esta sindrome, descrita por Braulio Tavares é a mania de autores de Ficção Científica brasileiros e portugues de batizarem seus personagens com nome estrangeiros. "É como se todos os alienígenas fossem do Kansas".

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  3. E isso pq o Spohr usa uma locação conhecida, como a ponte Rio-Niterói. Já vi 2 pessoas comentando que não vão ler 'A corrente' pq se passa em Vitória...

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  4. É brabo. E rola também no policial: muita gente ambienta tudo que escreve na Inglaterra vitoriana ou na Los Angeles dos anos 50. Pô, o Brasil é bem aqui, vamos utiliza-lo.

    Deixar de ler um livro porque se passa em Vitória. Em alguma espécie de universo paralelo vibrando numa frequência diferente do nosso, isso deve fazer algum sentido.

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  5. O que dizer então de Os Sete e todas as batalhas entre vampiros e humanos que ocorrem nos livros do Vianco, acontecendo em Osasco, no litoral, no interior? Muita gente torceria o nariz ao ler, quando na verdade isso é pura idiotice.

    O livro Filhos do Fim do Mundo não tem uma localidade. Os personagens não têm nome, a cidade não tem nome, nada é nomeado. E ainda assim é um ótimo enredo. Acho que a cultura de leitura nacional está tão fortemente baseada nos livros de fora, que quando um autor nacional coloca a Marginal Pinheiros como um local importante numa narrativa, as pessoas perdem o tesão de ler. Não são leitores, desse jeito.

    Abraço!

    momentumsaga.com

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